quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O rigor científico de Freud: Da doxa à episteme

Para os que criticam as conjecturas freudianas, considerando-as infundadas, ou ainda, como cometendo abusos especulativos, aqui vai uma resposta de Garcia-Roza abordando o conceito mais polêmico de Freud, a pulsão (que Não se trata de instinto, nos 23 volumes de sua coleção Freud utiliza instinto-Instinkt em apenas 4 vezes, diferentemente de Trieb-Pulsão que aparece centenas de vezes):
Trata-se de uma convenção (Konvention), nos diz, ele (Freud), ou de uma ficção teórica, como são os conceitos fundamentais de qualquer ciência. Sua característica principal não é descrever a realidade mas explicá-la (melhor seria dizer "constituí-la); não são retirados da realidade a partir da observação, mas criados com a finalidade de constituir uma nova inteligibilidade. Dizer que não são retirados da realidade não significa dizer que nada tenham a ver com ela, mas que não correspondem a algo imediatamente visível e identificável, um “dado”. Mais do que corresponderem a “dados”, os conceitos fundamentais da ciência correspondem a interrogações, portanto a algo que não é dado, nem mesmo “dável” a experiência.  Esses conceitos não correspondem a um saber já existente e que eles refletem, tampouco têm por finalidade criar a imagem de formalização desse saber, uma espécie de arrumação científica da doxa. Mais do que taparem os furos do saber existentes, eles evidenciam esses furos ou criam novos furos. Os conceitos fundamentais aos quais estou me referindo não correspondem a um saber, mas a um vazio no saber, a uma interrogação que dará lugar a uma hipótese, à qual corresponderá a abertura de um novo espaço de saber, ou à passagem da doxa à episteme. No entanto, para serem verdadeiros conceitos fundamentais, devem pretender responder a verdadeiros problemas. Este é o caso do conceito de pulsão.
(Garcia-Roza; Introdução à metapsicologia freudiana, livro 3, p. 80 e 81)

Doxa= sistema ou conjunto de juízos que uma sociedade elabora em um determinado momento histórico supondo tratar-se de uma verdade óbvia ou evidência natural, mas que para a filosofia não passa de crença ingênua, a ser superada para a obtenção do verdadeiro conhecimento (Houaiss)
Episteme= 1 na filosofia grega, esp. no platonismo, o conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida

2 no pensamento de Foucault (1926-1984), o paradigma geral segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes científicos, que por esta razão compartilham, a despeito de suas especificidades e diferentes objetos, determinadas formas ou características gerais [O surgimento de um nova episteme estabelece uma drástica ruptura epistemológica que abole a totalidade dos métodos e pressupostos cognitivos anteriores, o que implica uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência.] (Houaiss)

Saulo Durso Ferreira

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